sexta-feira, 27 de maio de 2011

Quais os cinco livros você levaria para uma ilha deserta?

Professores, escritores, jornalistas, publicitários e profissionais liberais respondem a enquete do Jornal Opção

O Jornal Opção perguntou a 31 convidados, dos mais díspares perfis e tendências —, professores, escritores, jornalistas, publicitários, médicos — quais eram os cinco livros que levariam para uma ilha deserta. Embora a pergunta tenha sido uma brincadeira, já que dificilmente alguém iria para uma ilha deserta por livre espontânea vontade, mais de 100 livros foram citados pelos participantes, desde livros antigos e clássicos, como a “A República”, de Platão, e “Os Ensaios”, de Montaigne”, passando por livros inusitados como o “Kama Sutra Ilustrado” e a “Bíblia”, até obras recentes como “Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios”, de Marçal Aquino, que deveria ganhar o prêmio de melhor título de livro da lista. Embora não figure na lista principal, apenas um autor conseguiu emplacar dois livros entre os mais citados, Machado de Assis, com “Dom Casmurro” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, com três indicações cada. A lista não pretende ser abrangente e provavelmente se tivesse sido, ou for feita em outra ocasião, o resultado seria diferente. Ela apenas reflete a opinião, do momento, de nossos convidados. E os livros citados por eles, bons ou ruins, trazem em comum o fato tê-los inspirado.

Voto a voto dos convidados

Leia um trecho dos cinco livros com mais indicações


Robinson Crusoé
Autor: Daniel Defoe
Preço: R$ 31,90
Penguin


Indicações: 4

Nasci no ano de 1632, na cidade de York, de boa família, mas não daquela região, pois meu pai, sendo um forasteiro de Bremen estabelecera-se primeiro em Hull. Construíra um sólido patrimônio no comércio e, depois de deixar os negócios, passou a viver em York. Lá casou-se com minha mãe, cuja família se chamava Robinson, uma gente muito respeitada naquela região, sendo eu por isso batizado Robinson Kreutznaer. Porém, com a corrupção das palavras tão usual na Inglaterra, agora somos chamados, ou melhor, nós nos chamamos e escrevemos nosso sobrenome "Crusoé". E foi assim que meus colegas sempre me chamaram. Eu tinha dois irmãos mais velhos. Um deles, tenente-coronel de um regimento de infantaria inglês em Flandres, outrora comandado pelo famoso coronel Lockhart, morrera em batalha contra os espanhóis nas imediações de Dunquerque. Mas eu nunca soube o que aconteceu com meu segundo irmão, assim como meu pai e minha mãe nunca souberam o que aconteceu comigo. Sendo o terceiro filho da família e estando sem preparo para nenhum ofício, minha cabeça começou a se encher, desde cedo, de ideias aventurosas. Meu pai, já muito velho então, havia me proporcionado uma formação adequada até onde chegam, em geral, a educação doméstica e uma escola rural gratuita, e me destinara ao Direito. Mas, como só o mar poderia me satisfazer, essa minha inclinação me opôs com vigor à vontade, ou melhor, às ordens de meu pai, bem como aos rogos e argumentos de minha mãe e de outros amigos. Parecia haver alguma fatalidade naquele pendor da natureza empurrando-me diretamente para a vida de infortúnios que me aguardava.


O Apanhador no Campo de Centeio
Autor: J.D. Salinger
Preço: R$ 51,90
Editora do Autor

Indicações: 4

Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se eu contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins — não é isso que estou dizendo — mas são sensíveis pra burro. E, afinal de contas, não vou contar toda a droga da minha autobiografia nem nada. Só vou contar esse negócio de doido que me aconteceu no último Natal, pouco antes de sofrer um esgotamento e de me mandarem para aqui, onde estou me recuperando. Foi só isso o que contei ao D.B., e ele é meu irmão e tudo. Ele está em Hollywood. Não é muito longe deste pardieiro, e ele vem me visitar quase todo fim de semana. Quando eu voltar para casa, talvez no mês que vem, é ele quem vai me levar de carro. Comprou há pouco tempo um Jaguar, um desses carrinhos ingleses que fazem uns trezentos quilômetros por hora e que custou uns quatro mil dólares. D.B. agora vive nadando em dinheiro, mas antigamente a coisa era outra. Quando morava conosco era apenas um escritor. Se é que nunca ouviram falar nele, foi D.B. quem escreveu aquele livro de contos fabuloso, “O Misterioso Peixinho Dourado”. O melhor conto do livro era a estória do garotinho que não deixava ninguém ver seu peixe dourado, só porque o tinha comprado com seu próprio dinheiro. Achei o máximo. Agora D.B. está em Hollywood, se prostituindo. Se há coisa que eu odeie, é cinema. Não posso nem ouvir falar de cinema perto de mim.


Dom Quixote de La Mancha
Autor: Miguel de Cervantes
Preço: R$ 35,50
Nova Aguilar


Indicações: 5

Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia, não há muito, um fidalgo, dos de lança em cabido, adarga antiga, rocim fraco, e galgo corredor. Passadio, olha seu tanto mais de vaca do que de carneiro, as mais das ceias restos da carne picados com sua cebola e vinagre, aos sábados outros sobejos ainda somenos, lentilhas às sextas-feiras, algum pombito de crescença aos domingos, consumiam três quartos do seu haver. O remanescente, levavam-no saio de belarte, calças de veludo para as festas, com seus pantufos do mesmo; e para os dias de semana o seu bellori do mais fino. Tinha em casa uma ama que passava dos quarenta, uma sobrinha que não chegava aos vinte, e um moço da poisada e de porta a fora, tanto para o trato do rocim, como para o da fazenda. Orçava na idade o nosso fidalgo pelos cinquenta anos. Era rijo de compleição, seco de carnes, enxuto de rosto, madrugador, e amigo da caça. Querem dizer que tinha o sobrenome de Quijada ou Quesada (que nisto discrepam algum tanto os autores que tratam da matéria), ainda que por conjecturas verossímeis se deixa entender que se chamava Quijana. Isto porém pouco faz para a nossa história; basta que, no que tivermos de contar, não nos desviemos da verdade nem um til. É pois de saber que este fidalgo, nos intervalos que tinha de ócio (que eram os mais do ano) se dava a ler livros de cavalaria, com tanta afeição e gosto, que se esqueceu quase de todo do exercício da caça, e até da administração dos seus bens; e a tanto chegou a sua curiosidade e desatino neste ponto, que vendeu muitas courelas de semeadura para comprar livros de cavalarias que ler; com o que juntou em casa quantos pôde apanhar daquele gênero.


Cem Anos De Solidão
Autor: Gabriel García Márquez
Preço: R$ 49,90
R$ 49,90
Record


Indicações: 7

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos. Primeiro trouxeram o ímã. Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia. Foi de casa em casa arrastando dois lingotes metálicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades. “As coisas têm vida própria”, apregoava o cigano com áspero sotaque, “tudo é questão de despertar a sua alma.” José Arcadio Buendía, cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e até mesmo além do milagre e da magia, pensou que era possível se servir daquela invenção inútil para desentranhar o ouro da terra.


Grande Sertão: Veredas
Autor: Guimarães Rosa
Preço: R$ 64,90
Nova Fronteira


Indicações: 10

Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram - era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente — depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá — fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.

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