Cabo VERDE
DINA SALUSTIO
Biografia
Dina Salústio (pseudónimo de Bernardina Oliveira), escritora e poetisa cabo-verdiana nascida em 1941, em Santo Antão, em Cabo Verde, com o nome de Bernardina Oliveira.
Publicou em 1994 uma colectânea de 35 contos, Mornas Eram as Noites, que lhe valeu a obtenção do Prémio de Literatura Infantil de Cabo Verde.
A Louca de Serrano assinalou a sua estréia no romance, em 1998.
Dina Salústio foi uma das fundadoras da Associação dos Escritores Cabo-verdianos, assim como de diversas publicações literárias.
Paralelamente à sua actividade de escritora, foi professora, assistente social e jornalista em Cabo Verde, assim como em Portugal e em Angola. Dirigiu também um programa de rádio dedicado a assuntos educativos e foi produtora de rádio.
Trabalhou ainda para o Ministério dos Assuntos Exteriores de Cabo Verde.
ÉRAMOS TU E EU
Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espectáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.
Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.
Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.
Éramos tu e eu
Dentro de nós.
As contracções cada vez mais rápidas
O descontrolo
A emoção
A ciência atenta
O oxigénio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A Hora
A Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.
São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.
Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.
A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.
( Dina Salústio)
Doutra África
Olho-te e sei que é de outra África
Que se sonha nestes meus poemas
Como sei que tais riachos (já dos livros)
... Retornarão, do teu querer, à nascente…
Trepa ali no coqueiro o príncipe da terra
E prometo não ser «apoeta» em minha fala
Que dos impenetráveis claustros, ficasse eu
Ciente de seres, não o medo, mas o cuidado…
Sei amares a helicónia como a um flamingo,
Inebriar-te o perfume da rosa de porcelana,
Sossegar-te o chilreio da íbis alva no micondó…
Sei mais de ti, meu estorninho de asa castanha,
Sorris à Praia das Sete Ondas e à Praia Grande
E, Pássaro, és outra África nos meus poemas…
(Filinto Elísio - poeta de Cabo Verde)
Olho-te e sei que é de outra África
Que se sonha nestes meus poemas
Como sei que tais riachos (já dos livros)
... Retornarão, do teu querer, à nascente…
Trepa ali no coqueiro o príncipe da terra
E prometo não ser «apoeta» em minha fala
Que dos impenetráveis claustros, ficasse eu
Ciente de seres, não o medo, mas o cuidado…
Sei amares a helicónia como a um flamingo,
Inebriar-te o perfume da rosa de porcelana,
Sossegar-te o chilreio da íbis alva no micondó…
Sei mais de ti, meu estorninho de asa castanha,
Sorris à Praia das Sete Ondas e à Praia Grande
E, Pássaro, és outra África nos meus poemas…
(Filinto Elísio - poeta de Cabo Verde)
Desamparinho
Para celebrar a flor que se aponta
Sem essência, nem medula verbal
Quero o teu olhar…
Para que ela, viceje em cacto,
E seja eterno brilho de um dia,
A graça do teu olhar…
O resto é para além de haver varanda,
Se calhar, a lua vindo às vezes do sol,
E a refracta paz deste momento…
(Filinto Elísio)
Para celebrar a flor que se aponta
Sem essência, nem medula verbal
Quero o teu olhar…
Para que ela, viceje em cacto,
E seja eterno brilho de um dia,
A graça do teu olhar…
O resto é para além de haver varanda,
Se calhar, a lua vindo às vezes do sol,
E a refracta paz deste momento…
(Filinto Elísio)
Liquefeitos mortos
sempre quis que os mortos nos viessem
assim pelo cursar dos rios
... grandes navegadores fluviais,
fluidos que nem águas,
cientes de margens
prontos para o encosto das barcas,
ides por Nilo, Amazonas, Danúbio, outras fluías…
Filinto Elísio
sempre quis que os mortos nos viessem
assim pelo cursar dos rios
... grandes navegadores fluviais,
fluidos que nem águas,
cientes de margens
prontos para o encosto das barcas,
ides por Nilo, Amazonas, Danúbio, outras fluías…
Filinto Elísio
De certos momentos
Chega um momento em que não somos nada
e querendo navegar
partimos para alhures.
...
Chega um momento em que estamos nus
de cara para o espelho
e nos olhamos outro – tão outro que somos.
Chega um momento em que não importa chegar
quedarmo-nos porque o mundo é longe
e nos cairmos exaustos no sofá da sala.
Chega um momento em que dói carregar o corpo
esta confusão que se chama alma
o halo qualquer remanso de que seja vida.
Um momento que chega dir-se-ia de coma
e tal quase certeza de estarmos pedra
e sermos poetas de respiração assistida.
Filinto Elísio
Chega um momento em que não somos nada
e querendo navegar
partimos para alhures.
...
Chega um momento em que estamos nus
de cara para o espelho
e nos olhamos outro – tão outro que somos.
Chega um momento em que não importa chegar
quedarmo-nos porque o mundo é longe
e nos cairmos exaustos no sofá da sala.
Chega um momento em que dói carregar o corpo
esta confusão que se chama alma
o halo qualquer remanso de que seja vida.
Um momento que chega dir-se-ia de coma
e tal quase certeza de estarmos pedra
e sermos poetas de respiração assistida.
Filinto Elísio
Do poema (em livro) e cálix bento
Assente de tão sorte alguma
Tal qual de prismáticos versos
Louvar-te-ei veredas e ínfimos
... Ou de cacos, ladrilhos, poema…
Tudo em nós já sendo além,
Como, quando inertes, somos
Animadas estátuas, a bióticos
Falares em assaz e vil silencio…
Louvar o poema, tão-só de verbo,
Ainda que dissonante e distante
Cônscios do longe ser tão perto…
Quão de tal edito instante, desfolha-se
A árvore antes de virar livro, esventra-se
O lido antes, muito antes, de poesia…
(Filinto Elísio)
Assente de tão sorte alguma
Tal qual de prismáticos versos
Louvar-te-ei veredas e ínfimos
... Ou de cacos, ladrilhos, poema…
Tudo em nós já sendo além,
Como, quando inertes, somos
Animadas estátuas, a bióticos
Falares em assaz e vil silencio…
Louvar o poema, tão-só de verbo,
Ainda que dissonante e distante
Cônscios do longe ser tão perto…
Quão de tal edito instante, desfolha-se
A árvore antes de virar livro, esventra-se
O lido antes, muito antes, de poesia…
(Filinto Elísio)
Quase um poema de amor
por: Margarida Fontes
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
--- Há muito tempo já que
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
--- Há muito tempo já que
CONGO MEU CONGO
Pingo de chuva,
Que pinga,
Que pinga,
Pinga de leve
No meu coração.
Pingo de chuva,
Tu lembras a canção,
Que um preto cansado,
Cantou para mim,
Pingo de chuva,
A canção é assim.
Que pinga,
Que pinga,
Pinga de leve
No meu coração.
Pingo de chuva,
Tu lembras a canção,
Que um preto cansado,
Cantou para mim,
Pingo de chuva,
A canção é assim.
Congo meu congo
Aonde nasci
Jamais voltarei
Disto bem sei
Congo meu congo
Aonde nasci...
Aonde nasci
Jamais voltarei
Disto bem sei
Congo meu congo
Aonde nasci...
(Solano Trindade)
Eu gosto de ler gostando
Eu gosto de ler gostando,
gozando a poesia,
como se ela fosse
uma boa camarada,
dessas que beijam a gente
gostando de ser beijada.
gozando a poesia,
como se ela fosse
uma boa camarada,
dessas que beijam a gente
gostando de ser beijada.
Eu gosto de ler gostando
gozando assim o poema,
como se ele fosse
boca de mulher pura
simples boa libertada
boca de mulher que pensa...
dessas que a gente gosta
gostando de ser gostada.
gozando assim o poema,
como se ele fosse
boca de mulher pura
simples boa libertada
boca de mulher que pensa...
dessas que a gente gosta
gostando de ser gostada.
(Solano Trindade)
NEM SÓ DE POESIA VIVE O POETA **
“Nem só de poesia vive o poeta
há o “fim do mês”
o agasalho
a farmácia
a pinga
o tempo ruim, com chuva
alguém nos olhando
policialescamente
De vez em quando
um pouco de poesia
uma conta atrasada
um cobrador exigente
um trabalho mal pago
uma fome
um discurso à moda Ruy
E às vezes uma mulher fazendo carinho
Hoje a lua não é mais dos poetas
Hoje a lua é dos astronautas.”
(Solano Trindade)
“Nem só de poesia vive o poeta
há o “fim do mês”
o agasalho
a farmácia
a pinga
o tempo ruim, com chuva
alguém nos olhando
policialescamente
De vez em quando
um pouco de poesia
uma conta atrasada
um cobrador exigente
um trabalho mal pago
uma fome
um discurso à moda Ruy
E às vezes uma mulher fazendo carinho
Hoje a lua não é mais dos poetas
Hoje a lua é dos astronautas.”
(Solano Trindade)
Tem gente com fome - Poema de Solano Trindade
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dzier
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
(CONCEIÇÃO EVARISTO)
Recordar é preciso
Recordar é preciso
O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos
A memória bravia lança o leme:
Recordar é preciso.
O movimento vaivém nas águas-lembranças
dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto.
Sou eternamente náufraga,
mas os fundos oceanos não me amedrontam
e nem me imobilizam.
Uma paixão profunda é a bóia que me emerge.
Sei que o mistério subsiste além das águas.
A memória bravia lança o leme:
Recordar é preciso.
O movimento vaivém nas águas-lembranças
dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto.
Sou eternamente náufraga,
mas os fundos oceanos não me amedrontam
e nem me imobilizam.
Uma paixão profunda é a bóia que me emerge.
Sei que o mistério subsiste além das águas.
(Conceição Evaristo)
Eu-Mulher
Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.
(Conceição Evaristo)
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